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Consolidação no varejo, só os grandes têm vez?

13/01/2009

CONSOLIDAÇÃO NO VAREJO, SÓ OS GRANDES TÊM VEZ?

A década de 90 foi um período marcado por grandes transformações no varejo brasileiro. A abertura do mercado brasileiro ao comércio internacional, e a substancial redução das restrições para importação de equipamentos de informática eliminaram as últimas barreiras que atrasavam a entrada do varejo brasileiro na onda da consolidação, que já vinha ocorrendo desde a década de 80 nos EUA.

Houve uma substancial queda nos custos e nas dificuldades de acesso à tecnologia, e passou a ser economicamente viável, ganhar produtividade através da aplicação de tecnologia adequada. Os grandes varejistas nacionais, seguindo a tendência do mercado americano, e buscando como meta, índices de produtividade internacionais, passaram a se atualizar tecnologicamente, os PC´s passaram a fazer parte integrante do equipamento básico das lojas, depósitos e escritórios dos grandes varejistas.

Rapidamente os “softwares” de gestão começaram a ser implantados, e o uso da Tecnologia da Informação remodelou os grandes varejistas em todos os aspectos de suas operações e de seu relacionamento com os consumidores.

Em todos os processos do varejo, as novas ferramentas tecnológicas mudaram os paradigmas de qualidade e produtividade. Os grandes varejistas brasileiros que operavam custosas e rígidas plataformas suportadas por “mainframes”, partiram para plataformas descentralizadas, mais econômicas, mais ágeis e extremamente eficientes.

A partir deste diferencial tecnológico que primeiro beneficiou os grandes varejistas, acelerou-se o processo de concentração, ou consolidação do varejo. Os grandes varejistas juntaram ao seu poder de barganha maiores escalas e produtividade, e foram ao mercado financeiro internacional levantar recursos relativamente baratos, via mercado de capitais, para bancar seu crescimento através de expansão ou aquisição de concorrentes menores. Desta forma, combinando baixo custo de capital, com grandes escalas e alta tecnologia e produtividade reúnem-se as condições favoráveis e estimuladoras do processo de consolidação no varejo brasileiro.

Na segunda metade da década de 90, já com vários varejos internacionais participando do mercado brasileiro essa tendência acentua-se em alguns setores, como o de supermercados e o de eletrodomésticos, por exemplo, onde a necessidade de escalas e produtividade é maior, mais acentuado é o impacto da tecnologia como fator acelerador da concentração. No setor de supermercados as 5 maiores redes respondem por mais de 42% das vendas totais, e no setor de eletrodomésticos os dois maiores revendedores respondem por mais de 45% das vendas totais.

As conseqüências da consolidação para as indústrias fornecedoras do varejo por sua vez são cruéis, de um lado dificultando o acesso aos consumidores e de outro estabelecendo uma desconfortável dependência em relação aos grandes varejos, pois são eles que possuem as escalas que são necessárias às indústrias. Quanto maior o nível de concentração no varejo, maior será o poder de compra dos grandes varejistas, que irão impor aos seus fornecedores as suas regras, exigências e padrões operacionais. A concentração do “risco de crédito” é uma ameaça à indústria nos mercados consolidados, porém sua pulverização pelos pequenos varejistas é dificultada pelo elevado grau de informalidade no pequeno varejo e conseqüentemente pela falta de informações para a análise de crédito. Dessa forma nos mercados consolidados o risco de crédito é sempre elevado para as indústrias seja por estar concentrado demais em grandes clientes, seja pelo baixo grau de transparência dos pequenos varejos. Além disso, a disputa por “market-share” entre os grandes varejistas, acentua as pressões sobre preços e margens dos fornecedores, e sendo uma disputa por escalas, produtividade, e eficiência operacional, também nessas áreas as indústrias são compelidas a se manter atualizadas para atender aos grandes varejistas.

Devido aos altos custos de venda aos pequenos varejistas e à elevada complexidade da distribuição fragmentada de pedidos de pequeno valor, a indústria encontra dificuldades em oferecer um pacote de condições aos pequenos varejistas, de forma a torná-los competitivos e permitir que convivam com os grandes e mantenham taxas de crescimento equivalentes a eles, afim de minimizar os efeitos do processo de concentração em curso.

A taxa de crescimento dos grandes varejistas é naturalmente maior do que a taxa de crescimento dos médios e pequenos, graças à mecanismos de gestão mais modernos e produtivos, ao seu poder de barganha e ao seu menor custo de capital, que inclusive é parcialmente bancado pela indústria via prazos de compras mais dilatados nesses grandes canais.

Enquanto os grandes varejistas crescem a taxas elevadas, os pequenos varejistas vão perdendo participação nas vendas totais. Com baixa produtividade, sem escalas e sem poder de compra, com baixo grau de automação e portanto sem mecanismos tecnológicos de gestão, aos pequenos varejistas restam poucos caminhos, senão vender e sair do negócio, ou diferenciar-se para competir pelos clientes de algum segmento ou nicho de mercado. Uma terceira e insensata hipótese , seria tentar competir diretamente com os grandes em preço e volumes, sem dispor dos pré-requisitos para sustentar esse diferencial, o que fatalmente resultará na eliminação desse pequeno varejista, acentuando assim o nível da consolidação no setor.

Está claro que o pequeno varejista devido às suas características não tem condições de competir no mesmo jogo dos grandes. O desafio dos pequenos varejistas está justamente em saber tirar proveito do fato de ser pequeno para encontrar aqueles segmentos do mercado no qual pode ser competitivo.

Contudo se o processo de consolidação do varejo parece só beneficiar os grandes varejistas, por outro lado uma análise das vulnerabilidades dos grandes varejistas oferece uma interessante perspectiva para a discussão das alternativas estratégicas para a diferenciação dos pequenos varejistas.

Principais Vulnerabilidades dos Grandes Varejistas
:

• Custos Operacionais crescentes
• Margens decrescentes, exigindo sempre mais da indústria
• Focados em produtos de venda massificada
• Risco de Crédito concentrado para a indústria
• Necessitam fornecedores grandes e com escalas
• Dificuldade em implementar vendas de serviços e produtos intangíveis
• Compete com outros grandes e menospreza a concorrência dos pequenos varejistas
• Menos flexível e adaptativo se comparado aos pequenos varejistas
• Massificação em busca de escalas inibe ações táticas
• Ênfase no Preço e não em Valor

Torna-se evidente ao analisar a lista acima, que existe espaço para se diferenciar competitivamente em cada setor e em cada mercado. Essa lista parcial, citada a título de exemplo, baseia-se no setor de bens duráveis, mas algumas características estruturais verificadas aqui, são as mesmas para quase todos os setores do varejo. Vejamos como o pequeno varejista pode se posicionar de forma diferente dos grandes, à partir da análise das principais vulnerabilidades dos grandes varejos no setor de bens duráveis.


DIFERENCIAIS ESTRUTURAIS PARA O PEQUENO VAREJISTA

1. Um fator primário de diferenciação que se aplica como poderoso diferencial em quase todos os casos é para o pequeno varejista, ter Custos Operacionais bem menores. Trata-se quase de um pré-requisito para o pequeno varejista em qualquer setor, que proporciona uma boa posição defensiva num cenário de margens com tendências decrescentes e competição acirrada.
2. Outra questão interessante diz respeito à transparência do pequeno varejista para obtenção de crédito da indústria. É evidentemente um assunto delicado, porém fica claro que a indústria precisa de bons pequenos varejos para sua distribuição e estaria disposta a dar mais crédito e estímulos aos varejistas que forem capazes de demonstrar sua condição de crédito de forma convincente, apesar do elevado grau de informalidade já mencionado.
3. Os pequenos varejistas contam com a indústria como poderosa aliada em potencial que estimulará certamente todas as iniciativas que possam, ainda que em médio prazo, atenuar o poder dos grandes varejistas no processo de distribuição, principalmente “soluções de mercado”, que venham a preencher os nichos de mercado em que os grandes varejistas não atuam, ou não atuam bem, e onde evidentemente haja massa crítica de clientes tanto para a indústria como para o pequeno varejista.
4. As pequenas e médias indústrias, que não podem ou não querem fornecer aos grandes varejistas por várias razões tem nos pequenos e médios varejistas a porta de acesso ao consumidor. Para esse segmento da indústria o pequeno varejista representa o cliente ideal. Reside aí mais uma interessante oportunidade de diferenciação por meio de alianças estratégicas entre pequenas indústrias e pequenos varejistas.
5. Os pequenos varejistas podem em conjunto viabilizar escalas, que seriam impensáveis isoladamente, por exemplo, unificando e padronizando tecnologia, compras e logística, seja de forma terceirizada ou não. Dessa forma obteriam os ganhos de escala, resultantes de sua ação conjunta, que seriam revertidos em maior produtividade e conseqüentemente maior competitividade.

As questões acima identificam apenas alguns dos possíveis diferenciais estruturais que os pequenos varejistas podem explorar. Essas variáveis estruturais sinalizam em direção a potenciais oportunidades e a partir desse ponto o pequeno varejista deve elaborar um plano de marketing, definindo seu nicho de mercado, suas metas, os recursos que utilizará, e como os utilizará. É fundamental no processo de segmentação identificar corretamente o potencial de consumo no nicho ou segmento em que se pretende atuar e como deve ser a atuação. Nesta etapa do planejamento é necessário cercar-se de informações e pesquisas confiáveis e conforme o caso do auxílio de um profissional especializado.

O diagnóstico correto das oportunidades oferecidas pelo mercado, e a auto-análise das forças e fraquezas do pequeno varejista irá revelar que apesar de os grandes varejistas estarem cada vez maiores o número de consumidores também cresce, e eles estão cada vez mais segmentados e exigentes. Quanto mais complexo for o mercado consumidor, mais difícil será para os grandes varejistas cobrir todos os segmentos, assim, naturalmente vários desses nichos serão ocupados pelos pequenos varejistas de forma diferenciada, criativa e possivelmente com serviços flexíveis e convenientes agregados à venda dos produtos. Dessa forma quanto mais acentuado for o grau de consolidação do setor, maiores tendem a ser as oportunidades para segmentar e diferenciar.

Os pequenos varejistas ainda não viabilizaram uma forma estruturada de tirar proveito do fato de agir em grupo, gerando escalas e produtividade ao grupo. Nesse campo estão muitas oportunidades a serem lideradas tanto pelos varejistas como pelas indústrias. Os modelos de franquias fornecem uma boa indicação de que há inúmeras vantagens em se organizar pequenos lojistas independentes e de que já existe tecnologia adequada e de custo compatível disponível, basta vontade política e uma liderança com credibilidade.

É importante lembrar que o mercado brasileiro devido sua extensão geográfica, e suas peculiaridades culturais e econômicas absorvem essas “ondas de mudança” de forma gradativa e desigual dependendo do grau de maturidade e competitividade de cada segmento do mercado. Assim nos mercados mais urbanos, mais industrializados e mais desenvolvidos, é maior o impacto da consolidação e é mais percebida a ação dos grandes varejistas do que em mercados menos desenvolvidos e distantes dos principais centros de consumo. É essa desigualdade que permite que nos dias de hoje, na era do e-commerce, convivam no mercado brasileiro formatos tão modernos como o hipermercado e as lojas de conveniência e formatos tão antigos quanto os armazéns e vendas. Porém, os pequenos varejistas devem observar que nos tempos modernos a velocidade das mudanças é cada vez maior, e que apesar de impactarem o mercado como um todo com intensidade diferente conforme as peculiaridades de cada região essas “ondas de mudança” já estão produzindo seus efeitos e o varejo vem se transformando gradualmente por conta delas.

Está na hora dos pequenos varejistas se reposicionarem em busca de competitividade e rentabilidade, de diferenciar-se para oferecer os produtos e serviços adequados às expectativas de seu público alvo. Ao adotar uma nova postura e enfrentar esse desafio o pequeno varejista estará de fato iniciando o ataque às causas de vários dos seus problemas atuais e movendo-se de encontro às soluções.

O mercado brasileiro tem e terá espaço para muitos tipos, tamanhos e formatos de varejo, porém esse espaço não é o mesmo para todos os concorrentes, e com certeza, o espaço reservado aos grandes varejistas não é o mesmo espaço dos pequenos varejistas.
Aqueles pequenos varejistas que a partir de um planejamento criterioso encontrarem seu território diferenciado e competitivo, certamente também serão vitoriosos no processo de consolidação do varejo.

Ricardo Pieroni Jacob
- PROVAR 28/12/00